Meu trabalho no projeto Histórias de Pindorama começou com uma reflexão sobre a produção das fotografias que ilustrariam o livro digital “Histórias de Pindorama: histórias, memórias e infâncias”.
Lembrei de uma afirmação feita por Vilém Flusser, poeta e filósofo tcheco, naturalizado brasileiro, que produziu um trabalho importante e revolucionário no campo da teoria da fotografia. Flusser diz: toda intenção estética, política e epistemológica deve, necessariamente, passar pelo crivo da conceituação, antes de resultar em imagem. (…) Fotografias são imagens de conceitos, são conceitos transcodificados em cenas.
Inspirada por esta ideia, meu passo inicial foi destacar os conceitos-chave que orientariam a prática fotográfica. Destaquei então: infância, ancestralidade, narratividade, brasilidade e construção do futuro. Considerei, também, a esperança, o amor e o afeto, aqui entendido como categoria política de transformação social. Concordo com a visão de bell hooks, de que, ao propormos que as transformações desejadas para a sociedade ocorram por meio da prática do amor, nos afastamos dos paradigmas eurocêntricos e coloniais que construíram a sociedade ocidental baseada em exploração e injustiça, e redirecionamos o nosso pensamento e prática rumo à ancestralidade.
O passo seguinte foi imaginar cenas que traduziriam estes conceitos. Pensei em mãos de crianças brincando com areia, água, terra e argila. As interações das crianças com estes materiais e entre si trazem esse sentido de construção coletiva do futuro. Acrescentamos à lista de elementos mudas de plantas. Considerei utilizar nas fotografias a técnica de dupla exposição, também chamada de sobreposição, que consiste em fundir duas fotos, gerando uma nova imagem. Do pensamento à ação, construí um moodboard, um quadro de referências, contendo a bibliografia, os conceitos destacados e inspirações visuais para as fotos. O moodboard é uma ferramenta de processos de criação e funcionou, nesse caso, como um orientador da identidade do projeto fotográfico.
As fotos foram realizadas na Unidade Municipal de Educação Infantil Dr. Paulo César Pimentel, da Fundação Municipal de Educação de Niterói, durante a colônia de férias dos alunos e alunas, com um grupo de 15 crianças, de 4 a 6 anos, de ambos os gêneros. Foram fotos espontâneas enquanto a turma brincava, durante 1h30, com os elementos levados pela equipe. As crianças ficaram entusiasmadas e curiosas com as atividades. Sentiram-se à vontade para interagir com os materiais organizados nas estações de brincadeira e permaneceram alegres e receptivas com a equipe do projeto. Agradecemos a todos e a todas que participaram conosco desse dia especial.
Penso que tanto esta atividade como o livro em si contribuem para o quarto Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que traz metas para uma educação inclusiva, de qualidade e equitativa. Os ODS foram uma iniciativa das Nações Unidas, mas hoje constituem um plano global do qual o Brasil faz parte. A questão da sustentabilidade é um tema importante para mim e fundamenta, de muitas formas, o trabalho que produzo como fotógrafa.
Selecionei cerca de 40 fotografias para o livro digital e para as redes sociais do projeto. Todas as fotografias foram capturadas com câmera digital profissional e tratadas em programa de edição, também utilizado para produzir a sobreposição aplicada na capa. Para a capa, escolhemos duas fotos: a foto em primeiro plano é de uma das crianças segurando uma muda de planta e a foto de fundo é de uma floresta.
A presença da floresta busca enfatizar, de forma artística e subjetiva, um forte traço da identidade brasileira e a perspectiva de um futuro indissociável das questões ambientais. No fundo, a fotografia é subversiva, não quando aterroriza, perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa, afirma Roland Barthes, escritor, sociólogo e filósofo francês, com reconhecidos estudos no campo da fotografia.
Compartilho, ao fim deste post, a lista das leituras citadas. Espero que gostem das sugestões e, claro, das fotos que ilustram o livro digital.
Por fim, trago um ensinamento do educador Paulo Freire: estudar não é um ato de consumir ideias, mas de criá-las e recriá-las. Assim, meu desejo é que o livro digital “Histórias de Pindorama: histórias, memórias e infâncias” e o projeto como um todo sejam educativos e inspiradores, contribuindo para abrir mentes e corações para novos tempos.
Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Vilém Flusser. São Paulo: Annablumme, 2013.
Tudo Sobre o Amor: novas perspectivas. bell hooks. São Paulo: Elefante, 2021.
A Câmara Clara: nota sobre a fotografia. Roland Barthes. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1984.
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/sdgs>
Ação Cultural para a Liberdade e outros escritos. Paulo Freire. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1979. P.12.
Parabéns, Priscila! Seu texto é, ao mesmo tempo, conceitual e poético. E suas fotos enriqueceram, em muito, o livro digital do projeto e ajudam a aprofundar a reflexão que o livro propõe.